sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Um Herói Improvável


“If more of us valued food and cheer and song above hoarded gold, it would be a merrier world.”
― J.R.R. Tolkien





Olá, pessoal! Há muito que não temos novidades por aqui, mas a justificativa é tão boa quanto justa. Desde o post sobre a última leitura, em abril deste ano, muita coisa mudou - para melhor - e isso me impediu de voltar. De fato, ao escrever aquele texto, já estava com a Gianna em meu ventre e agora nos preparamos para recebê-la em Janeiro de 2018. Junto com a gravidez, como era de se esperar, os enjoos ganharam espaço na minha rotina e era tão fortes que fiquei impedida até de continuar com as leituras deste ano. Aos poucos, entretanto, estamos voltando à programação normal. 


Hoje, dia 22 de setembro, celebramos o dia do Hobbit e, para marcar a volta nas postagens, achei por bem trazer um texto traduzido por mim sobre a heroicidade improvável deste personagem que é um dos que mais me marcaram nesta vida: Bilbo Baggins. O texto original, escrito por Thomas M. Doran, pode ser lido aqui. Bem, vamos lá!





Um Herói Improvável





Se quisermos falar de um herói literário, Bilbo Baggins não não ocuparia o topo da lista. Mesmo aqueles que escolhessem um hobbit como herói, estes rapidamente se voltariam para Frodo, ou talvez Sam Gamgee, e muitos devotos de "O Senhor dos Anéis" escolheriam Aragorn, Gandalf, Eowyn ou Faramir.


Atticus Finch, de Harper Lee, estaria em muitas listas, assim como Elizabeth Bennet de Jane Austen. Aqueles que procuram por um herói que precisa de redenção poderiam optar por Sydney Carton ou o 'anjinho' de Raymond Chandler, Phillip Marlowe. No gênero cinema, que tal Luke Skywalker ou a Sra. Miniver? E no reino do herói não-humano, talvez a aranha Charlotte de E. B White ou Hazel, o Coelho de Richard Adams? 


Eu proponho Bilbo como um herói mais digno.


Muitos diriam que Bilbo é um herói 'OK', mas podemos fazer melhor. Bilbo é falho, e muitas de suas falhas persistem ao longo de sua vida. Ele pode ser mesquinho e petulante. Ele ficou sob a influência do anel de Sauron por muitos anos, embora não tenha sido consumido por ele. Além das falhas de Bilbo, quem gostaria de um herói cômico e de pé grande?

Não obstante, Bilbo é um herói. Ele tira a pedra Arken do rei Thorin quando percebe que ela o colocará em grande perigo, porque julga ser algo necessário a se fazer, e há muitos outros exemplos em "O Hobbit", o resgate dos anões do ninho das aranhas está entre eles.


Ele é generoso. Ele doa livre e frequentemente, apesar de precisas de um empurrãozinho de Gandalf para deixar o anel: "Estou velho, Gandalf. Posso não parecer velho, mas estou começando a sentir em meu coração. Sinto-me minguado...como que sobrecarregado, como manteiga espalhada num pedaço de pão muito grande."


Ainda assim, depois de guardar o anel por sessenta anos, ele faz algo que o Numenoriano Isildur, Sméagol, e mesmo Frodo não foram capazes. Ele fez algo que Gandalf, Aragorn, e Galadriel estão convencidos de que não poderiam fazer.

Ele é responsável. Apesar de os leitores enxergarem Bilbo no seu contexto de aventuras com os anões e a Guerra do Anel, ele passa a maior parte de sua vida fazendo aquilo que é natural aos hobbits.


Ele é aventureiro, algo que vai contra a natureza de um hobbit, o "Baggins louco" na visão de Rory Brandybuck e muitos outros hobbits. Bilbo força a si mesmo a sair de sua zona de conforto. Ele decide se juntar aos anões depois do jantar barulhento e depois de eles terem deixado o Bolsão, quando a decisão mais fácil e natural seria viver bem e sozinho.  


Ele é criativo: escritor, cantor, e poeta, e ele é muito interessado em sagas heróicas e trágicas de elfos e homens. 


Ele vive de forma simples e sem ostentação, em harmonia com a natureza, mesmo após tomar posse de grande fortuna. Ele não tenta controlar a natureza, como Sandyman e Sharky/Saruman, ou usar sua riqueza para se colocar acima dos outros hobbits. 

Ele é capaz de superar o tribalismo que habita em todos nós, fazendo amizade rapidamente com os anões, elfos, e homens, e escolhendo viver seus últimos anos com uma raça alienígena. Que qualidade notável em nosso mundo moderno onde o tribalismo em todas as suas manifestações é um flagelo diário?  

Por último mas não menos importante, apesar de Bilbo ter um sentimento forte e inabalável daquilo que é certo e errado, do bem e do mal, ele é capaz de simpatizar, mesmo com pena, com aqueles que sucumbem ao mal. Ele não deixa o orgulho destrutivo de Thorin destruir a amizade dos dois, pelo menos não de sua parte. Ele não usa as intenções assassinas de Gollum para destruir a criatura: "Bilbo quase deixou de respirar, e ficou paralisado. Ele estava desesperado. Ele deveria fugir desta horrível escuridão, enquanto tinha alguma força. Ele deveria esfaquear aquela coisa suja, tirar-lhe os olhos, matá-la. Era para matá-la. Não, não é uma luta justa. Ele agora era invisível. Gollum não tinha espada. Gollum na verdade não ameaçou matá-lo, nem havia tentado ainda. E ele estava miserável, sozinho, perdido. Uma compreensão súbita, uma pena misturada com o horror que surgiu no coração de Bilbo; um vislumbre de infinitos dias ocultos sem luz ou esperança de melhoria, pedra dura, peixe frio, esgueirando-se e sussurrando.


Bilbo é um herói improvável, algo que Tolkien sabia, e é a razão pela qual ele criou os hobbits, demonstrando que o heroismo pode ser encontrado onde menos se espera. Além do mais, Gandalf contextualiza o conceito de herói quando diz, "Você é uma pessoa muito boa, Sr. Baggins, e eu tenho muito apreço por você, mas você é apenas um rapaz muito pequeno em um mundo muito grande, afinal!" Ao que Bilbo responde, "Que bom!"

Que bom seria se todo herói tivesse uma visão tão modesta de heroísmo.






domingo, 2 de abril de 2017

Little Women - Louisa May Alcott






“Meg, minha querida, eu valorizo a habilidade feminina que mantém uma casa feliz mais que mãos brancas ou conquistas da moda.”

- Little Women



Só tenho uma coisa a dizer sobre as leituras de março: foram maravilhosas! Na realidade, pensei que o ritmo lento de leitura presente nos meses de janeiro e fevereiro seria a regra para o ano de 2017, mas este mês se mostrou diferente. Tive a oportunidade de ler três livros, dentre eles Little Women, traduzido como Mulherzinhas em Português, e escrito por Louisa May Alcott. É justamente sobre ele que o texto de hoje trata.

Antes de iniciar esta “análise”, é preciso dizer que, ao contrário de muitas pessoas, não pude ler o volume seguinte a esta história, intitulado Good Wives, livro publicado em 1869, ano seguinte à publicação de Little Women, em 1868. Sendo assim, àqueles que tenham lido ambos os volumes, não se surpreendam por não haver menção aos acontecimentos que se reservam à continuação desta história.

Estamos falando de uma romance que, segundo alguns, seria de inspiração autobiográfica e que conta a história de quatro irmãs, Meg, Jo, Beth, and Amy March, crescendo entre 1861 e 1865, sem a presença do pai que servia o país nos tempos da Guerra Civil Americana, porém sempre em presença da mãe, Marmee, cujo espírito alegre e servil molda e ajuda as irmãs a reconhecerem suas fraquezas e superá-las.

Todo o enredo versa sobre uma família que, após ter perdido boa parte do dinheiro que possuía, vivia simples e modestamente uma vida cheia de alegrias e momentos árduos, como a ausência do pai que estava na Guerra. A rotina da casa baseia-se na domesticidade de todos os seus membros, de modo que as irmãs, a mãe e a empregada exerçam diferentes atividades, o que contribui para a boa convivência entre elas. As irmãs mais velhas, Meg e Jo, ajudam na renda familiar, enquanto Beth se ocupa dos trabalhos domésticos e Amy atende à escola. Cada uma delas tem seu temperamento único, sendo Jo a mais encolerizada e Beth a de temperamento mais doce e servil e cuja vocação para atender a todos parece não requerer esforço extra.

A beleza nesta história reside, a meu ver, na transformação de todas as personagens em suas lutas para vencer suas fraquezas, temperamentos e vícios. Josephine, em particular, encantou meu coração e pareceu-me aquela que mais teve suas ações transformadas pela constância em lutar contra seu temperamento irascível. Confesso que em determinado momento da história as lágrimas foram inevitáveis de forma que não pude controlar meu choro dentro do carro, evento que assustou meu esposo, no que me viu assim, chorando e olhando para as páginas de um livro. Este momento está no capítulo 8 do original em Inglês quando, após quase perder a irmã Amy num acidente, Jo confessa que teme que seu temperamento colérico a leve a cometer algum ato irracional algum dia e que suas explosões de raiva a deixam sem saber como controlar a si mesma. Para mim, este momento representa tudo o que eu gostaria de ter ouvido quando, ao ficar irada, queria destruir tudo que via pela frente. A tradução do diálogo entre Jo e sua mãe foi feita por mim e pode não estar de acordo com as traduções oficiais.




“Não chore assim, mas lembre-se desse dia, e decida, com toda a sua alma, que você nunca conhecerá outro como este. Jo, querida, todos nós temos tentações, algumas maiores que as suas, e às vezes levamos uma vida inteira para dominá-las.” (Little Women, p.111) 

Tudo bem. Podem começar a dizer que sou chorona. Mas somente quem luta contra seu próprio humor pode imaginar o que significa enfrentar este momento-chave em nossas vidas em que nos perguntamos "Queixar-me-ei de meu humor irascível para o resto da vida ou hei de tentar superá-lo de uma vez por todas?" Afinal, chorar sobre o leite derramado nunca provou ser útil mesmo.

Outro ponto que me levou a refletir sobre o papel da mulher na família foi o valor atribuído a Marmee, a mãe das quatro adolescentes, por ocasião de sua viagem para cuidar do pai doente na Guerra. Como tudo fosse de mal a pior, mais do que saudosas, as meninas sentiram muito fortemente o peso dos trabalhos domésticos, até então desempenhados na maior parte do tempo pela mãe. É neste momento que questiono aqueles que julgam desnecessárias as figuras do pai e da mãe, como se tudo se tratasse meramente de um capricho adulto em que o direito à companhia de ambos pela criança não fosse importante, desde que seja em nome do “amor”. Quando já não podiam mais esconder a doença de Beth, Marmee anuncia sua volta ao lar e a alegria das irmãs quase não pôde ser contida, a despeito da irmã em estado convalescente. Todas, aos se encontrarem pelos corredores da casa, se abraçavam e sussurravam encorajadamente “A mamãe está chegando, querida! Mamãe está chegando!”. Pode haver algo mais lindo que os carinhos e afagos de uma mãe? Ou a firmeza de caráter bem como a segurança que um pai pode proporcionar aos seus filhos? Haverá argumentos que digam que os tempos eram outros e que alguns conceitos mudam. Conceitos mudam, sim, mas a essência das coisas, a Verdade, não.

Infelizmente, o choro e ranger de dentes de algumas feministas que leram a obra também estão na internet. Há críticas duríssimas especialmente ao segundo volume da obra. Confesso que depois de ver algumas espumando de raiva, fiquei ainda mais tentada a comprá-lo. Não importa que o trabalho doméstico na obra seja para as personagens o meio pelo qual as irmãs se tornaram pessoas melhores. Importa ‘desconstruir’ – sem colocar nada no lugar, claro – e ‘problematizar’ tudo.

Resta saber se eu apreciei a leitura, mas o textão acima é suficiente para provar que sim, amei a leitura e espero poder saber como continua a história. Em resumo, esta é uma história que contraria toda a sociedade moderna que está pautada na idéia de que viver bem é o mesmo que ganhar mais.

E você? Já leu o livro? Qual personagem fez com que parecesse que estivesse a olhar no espelho?

segunda-feira, 13 de março de 2017

Great Expectations




“Suffering has been stronger than all other teaching, and has taught me to understand what your heart used to be. I have been bent and broken, but - I hope - into a better shape.”
― Great Expectations

Ler os clássicos tem me deixado numa espécie de êxtase quase sempiterno. É claro que não poderia ser diferente com Great Expectations. Demorei mais de dois meses para concluir essa leitura e fiquei muitas vezes dividida entre esta e outras obras literárias e leituras espirituais.
Com a primeira edição em 1861, esta obra com a qual me deleitei por tão longo período, tem como pano de fundo a formosa e elegante era Vitoriana. Não há nada mais prazeroso para mim do que me imaginar vivendo nesta que foi uma das épocas mais galantes.
Philip Pirrip, ou simplesmente Pip, foi um garoto órfão nutrido pela irmã e o cunhado e que, após alguns anos vivendo em uma das muitas famílias pobres da sociedade Inglesa, recebe uma alta quantia em dinheiro para, sem nenhum esforço, tornar-se um aristocrata. A trama, de modo geral, está desenvolvida com base no mistério da identidade de seu benfeitor - que mais tarde se mostrará surpreendente por se tratar de um antigo condenado da justiça a quem Pip ajudou quando ainda era uma criança -  bem como sua paixão  por Estella, a filha adotiva de Miss Havisham, cuja vida se resumiu a educar a pobre menina para quebrar os corações dos homens como uma forma de vingança a Copeyson, o homem que a abandonou no altar anos antes.
Após conhecer sua amada por ocasião das visitas que fazia à casa de Ms. Havisham, Pip decide que o grande obstáculo para que Estella o tenha em alta conta é a sua posição social que não o permite estar à altura dela. Deste modo, o garoto decide que, para conquistá-la bem como ser reconhecido, deverá tornar-se alguém com alguma fortuna.
O caminho trilhado por Pip nesta jornada de pecado e redenção foi uma das mais belas impressões que tive. Não somente ele amadurece de modo a perceber que fortuna alguma poderia fazê-lo feliz, como também tem a oportunidade de expiar suas culpas com relação ao esposo de sua irmã, Joe, pelo tempo em que dele se manteve insulado por vergonha de sua baixa condição social.
Outra experiência maravilhosa que pude viver com este livro foi o fato de aprender como o amor não se nos apresenta como um sentimento mas como decisão. Sim, Pip, ainda que amasse Estella, porta-se como um verdadeiro e nobre cavalheiro e deixa-a partir, se bem que seu coração esteja em pedaços. Além disso, podemos notar como um coração amargurado e vingativo de pessoas como Ms. Havisham pode levar à perdição aqueles que o cercam. Em outras palavras, esses sentimentos têm poder destrutivo que se estendem para além de quem os sente e podem, como se nota em Estella, transformar a alma mais pura naquilo que há de mais sórdido.
Para além das considerações acerca da história mesma, uma pequena curiosidade que só me foi revelada porque quis saber mais a respeito do livro é o fato de existirem dois finais escritos por Dickens. O primeiro, como sugere o tom da obra, não foi feliz como alguns românticos leitores da época gostariam. O segundo, ao contrário, sugere que Pip e Estella teriam uma chance de finalmente unirem-se um ao outro. A decisão de mudar o final original partiu, dentre outras motivos, dos comentários dos leitores que esperavam algo óbvio como o típico casal apaixonado unido depois de tantos obstáculos. Tendo recebido críticas a esse respeito, ele definiu que a união de Pip e Estella seria mais razoável.
Ainda neste sentido, as críticas parecem não chegar a qualquer conclusão: afinal, seria melhor um final condizente com o teor melancólico da obra ou algo surpreendente que fizesse com que todo o sofrimento vivido pelas personagens finalmente chegasse ao fim? Eu, particularmente, tenho o palpite de que um final condizente com o tema da narrativa seria mais ponderado. Entretanto, gostaria de saber o que pensam aqueles que já leram ou ainda terão a oportunidade de ler esta história.
Não poderia deixar de finalizar com uma recomendação alegre desta leitura que me transformou em dois meses. As razões para que Dickens esteja entre os maiores escritores de todos os tempos se devem, com certeza, à beleza de suas referências e aos temas profundamente humanos das grandes batalhas que todos nós já vivemos ou viveremos um dia.

Boa leitura a todos e não esqueçam de comentar as suas próprias impressões acerca desta obra.