segunda-feira, 18 de abril de 2016



“There is no happiness like that of being loved by your fellow creatures, and feeling that your presence is an addition to their comfort.” 
― Charlotte Brontë, Jane Eyre

Dou início a este texto ainda com as palavras de meu marido na minha memória: “Você não é deste mundo”. De fato, não posso crer que suas palavras tenham para ele o mesmo significado que tiveram para mim. Ora, para ele, esta foi uma expressão de surpresa ao me flagrar estudando mais um assunto pelo qual me interesso muito: histórias. No entanto, para mim, tais palavras ficaram gravadas em meu coração, de modo que me impeliram a escrever – depois de tanto tempo – sobre uma das mais belas histórias que pude ler nesta vida tão cheia de dissabores: Jane Eyre.

Charlotte Brontë, uma das mais talentosas escritoras Inglesas, cujo talento parece ter sido infundido também em suas irmãs, Emilly e Anne Brontë, nos presenteou com uma obra prima que, ouso apostar, não poder ser equiparada a nenhuma outra, no que se refere à categoria romance. O título original, Jane Eyre: An Autobiography, fez com que eu declinasse o convite à leitura por alguns dias, porém a curiosidade e o tempo ocioso das férias terminaram por me lançar ao desafio – E que desafio!

Jane Eyre é uma narrativa em primeira pessoa que se desenvolve a partir de sua infância vivida sob a tirania e abusos de sua tia e primos em Gateshead Hall, até a união com seu amado, Sr. Rochester.

Não é minha intenção dar detalhes deste maravilhoso romance, mas apenas abordar a temática da fidelidade aos princípios que, segundo minha leitura, foram claramente explorados na obra. Jane Eyre pode ser caracterizada como uma mulher forte que sobreviveu a todo o tipo de desventura que um ser humano poderia sofrer. Foi, no entanto, sua invulnerabilidade que me mais me atraiu na sua personalidade.

Após ter sido rechaçada da casa onde morava com a família do tio, Jane Eyre é enviada a um internato onde receberá toda a sua formação escolar, porém não sem sofrimentos, vexações e açoites. Sua vida sofre uma reviravolta quando, terminada sua formação obrigatória, é contratada como governanta em Thornfield Hall, onde conhece Rochester e por ele se enamora.

Após ser pedida em casamento, descobre o segredo terrível que não permitiria que essa união fosse consumada. E é precisamente neste ponto que gostaria de me debruçar. Não havia dúvidas de que o amor de ambos fosse verdadeiro, mas o caráter de Jane Eyre jamais a permitiria aceitar a proposta de Rochester de que ela fosse sua amásia. Ao ser questionada por ele dos motivos que a levavam a lhe negar esse pedido, visto que estava completamente abandonada no mundo, sem possibilidades – afinal, quem se importaria se sua honra fosse ferida? Não havia irmãos, pai ou mãe a quem pudesse atingir com tal decisão – ela responde:

"Eu me importo comigo mesma. Quanto mais solitária, mais sem amigos, mais determinada estou, mais respeitarei a mim mesma. Vou manter a lei dada por Deus; sancionada pelo homem. Vou me agarrar aos princípios recebidos por mim quando eu era sã, e não insana - como estou agora. Leis e princípios não são para os momentos em que não existe tentação: eles são para momentos como este, quando corpo e alma formam um motim contra o seu rigor; rigorosos são eles; inviolados eles serão. Se em minha liberdade enquanto indivíduo eu pudesse quebrá-las, qual seria o seu valor? Eles têm o seu valor – nisto eu sempre acreditei; e se eu não posso acreditar nisso agora, é porque eu estou louca - muito louca: com fogo nas veias, e meu coração batendo tão rápido que não consigo contar suas batidas. Opiniões preconcebidas, determinações precipitadas, são tudo o que tenho nesta hora: E delas eu não arredo pé.”

Após ler algumas análises deste livro, esbarrei em algumas que enxergavam na obra uma espécie de “pré-feminismo”, uma vez que o posicionamento de Jane frente a algumas questões sociais não estaria de acordo com a mentalidade da época. Na minha inexperiência e incapacidade de fazer uma análise profunda e coerente - este não é o propósito do blog - tive de discordar. Ora, a eloquência de Jane Eyre quando questionava determinados valores comuns à época, no meu ponto de vista, não passava de uma manifestação de sua condição enquanto ser humano, criatura e filha de Deus, a quem o respeito, o amor e a proteção lhes eram devidos. Minha leitura me leva a aceitar que, ao negar os apelos do sangue e da carne, nossa personagem principal não estava pensando, como algumas mulheres foram levadas a acreditar, em seus “direitos” aqui neste mundo, mas na vida eterna, no “outro mundo”, nos quais acreditava piamente.
Após fugir sorrateiramente de Thornfield, Jane é acolhida pela família Rivers, cujos membros ela descobrirá mais tarde serem seus primos. Mesmo tendo sido pedida em casamento por seu primo, St John - que fez a proposta não por amor, mas por obrigação - Jane, embora não houvesse qualquer impedimento moral que a prevenisse, não aceita, uma vez que jamais poderia amá-lo. Estranhamente, ela ouve a voz de seu amado chamando por seu nome e volta a Thornfield, onde descobre apenas as ruínas daquilo que outrora se tornara seu lar e motivo de sua alegria.

Como eu disse anteriormente, não tenho por missão expor os detalhes do enredo, mas – se é que tal façanha me é permitida – atrair a atenção de você, leitor, para que tenha a experiência de se deliciar com as linhas deste romance, assim como eu. De fato, não sei se este texto ajudará neste propósito, porém não creio que causará o efeito contrário. Deixo, portanto, que descubra por você mesmo como nossas personagens apaixonadas resolveram seus conflitos.

Jane Eyre é, de longe, uma das histórias mais encantadoras e geniais que já tive a oportunidade de ler. Há poucos dias terminei a leitura do “Morro dos Ventos Uivantes”, de Emilly Brontë. Pude concluir, antes mesmo de escrever este texto, que ambos podem ser considerados inauditos, contudo minha rasa experiência com esse tipo de enredo e com todas as limitações que isto implica, ainda insistirei, por anos a fio, que Jane Eyre será um clássico para mim. Não como outro qualquer, mas daqueles que, de acordo com Ítalo Calvino, ao serem relidos, “oferecem uma sensação de descoberta como na primeira leitura”.




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